quarta-feira, 1 de abril de 2015

Maior de idade pra sonhar



Foto delicadamente "roubada" do amigo Severino Silva.

- Nossa, você joga muito bem!
- Eh, as pessoas aqui me chamam de Ronaldinho, por causa dos dribles, sabe ? (Risos)
- Sei, e você pensa em ser jogador de futebol ?!
Expressão se fecha:
- Tenho mais tempo pra isso não, tia.
- Quantos anos você tem ?!
- 14, quase 15. Dá mais não. Quem vai querer um jogador assim, como eu, o meu destino é esse. Quero melhorar, mas não sei se dá...


Depois, sem argumentos, sorrio e saio pra não chorar.

 A cena é real. Muito real. Ela aconteceu no dia 15 de outubro de 2013, na sede do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas), antigo Padre Severino, no Rio de Janeiro. No dia a excitação era geral. Clarence Seedorf, então atacante do Botafogo, estava chegando para conversar com os meninos e alguma meninas, entre 12 e 21anos, que cumpriam medidas sócios educativas e depois jogar uma bola com eles. Foi lá, na pelada, que conheci S. magro e com marcas da pobreza e da violência no corpo. 

Já tinha ido ao degase antes fazer matérias de polícia assim como já estive em presididos super lotados. Assustador. Mas ver um menino sem esperança nos olhos foi desesperador. Ele foi criado, pelo sistema, pela sociedade e por mim, que o olho com medo, a aceitar seu destinos. S. segue o padrão, menor que deveria pra sua idade, ex-usuário de drogas, morador de favela, irmão de muitos, subnutrido, renegado e semi-alfabetizado. Estava na sua primeira passagem pelo sistema. Envolvimento com tráfico de drogas - tinha sido aviãozinho na Maré - roubou algumas pessoas, foi preso e fugiu. Ai é aqui que você defende a redução da maioridade penal, certo?! Errado, muito errado. 

Vamos a história de S..Mesmo morando em uma comunidade grande, na qual o governo ostenta muitas escolas e projetos sociais (recentemente um ídolo de futebol inaugurou ao lado do governador uma nova com o orçamento de alguns milhões de reais), ele não passou da terceira série, mal sabe ler e escrever,  foi  "beneficiado" pela aprovação automática, nunca passou por nenhum projeto social de esporte, nunca fez aula de futebol, sua mãe era sozinha para quatro irmãos, trabalhava em dois empregos e o pai era um alcoólatra que, um dia, para o alívio geral, morreu. Não antes de bater muito na mãe e nos filhos.

Finalmente, um dia, S. foi pego, com 13 anos. E o que fizeram com ele?! Nada diferente do que já tinham feito antes. Como funciona, na real, o degase: Os detidos tem aulas todos juntos, mal se separa por série, quando tem, se alimentam lá, fazem um ou outro exercício e vão dormir. Estão presos. Eles estão presos nos modelos da cadeia no Brasil. Não convivem com nenhuma criança que não seja infrator (olha só!).  São improdutivos e não aprendem nada. Não aprendem um ofício, não estudam pro vestibular, nada, nadinha, são apenas vigiados e punidos, como bem escreveu Focaut. Como um menino desses pode ser sócio educado?! Quando sair, com 21 anos, ou antes com o semi-aberto (sim, temos isso no degase) para onde você acha que ele vai voltar ?! Que perspectiva e realidade ele vai encontrar quando sair ?! Pois é, nenhuma.

Antes que venham com mimi, não estou defendendo bandido... Não estreou! estou defendo crianças que sempre tiveram o direito a infância renegada e que como qualquer outra acabou fazendo escolhas erradas e não tem segunda chance. Estou defendendo educação! Você, tomou bomba na prova de física porque ficou com a namorada ao invés de estudar. Fumou maconha no pátio do colégio. Eles, foram pro crime. Porque é o acessível, é o espelho.  E não venham me dizer que tem gente que teve a mesma coisa e não foi pro crime. Tem gente que mora em Ipanema é traficante. Tem gente que é casado e transmite aids da puladinha de cerca pra mulher. Tem gente que sonega imposto e mora no na Rui Barbosa. Tem gente que sonega o guarda e tem gente que vai a favela dar aulas pra crianças. Tem gente de tudo, por favor, arrume um argumento e não uma desculpinha, ok?!

Senhores deputados, senhores senadores, dona Dilma e todos os que defendem a lei redução da maioridade penal, para lotar ainda mais o nosso sistema carcerário, que é um dos mais superlotados do mundo. Temos a terceira maior população carcerária do planeta, faça um favor ?! Ou mundo ?! vá ao degase, converse olho no olho com um S. E me diga: o que você sente?! Brigue por uma educação melhor, por cadeias que se dediquem a reeducar, por menos violência, mas por favor, digam pra S.que ele só tem 15 ano pode sim sonhar e realizar o que ele quiser!

Ps: http://oglobo.globo.com/esportes/campeonato-brasileiro-2013/seedorf-visita-jovens-no-degase-do-rio-de-janeiro-10372426

terça-feira, 29 de maio de 2012

Amor sublime amor. Uma carta de amor desconhecida

É incrível como de onde você menos espera pode vir uma grande surpresa. Era uma quarta- feira quente, muito quente. Quer dizer, era dezembro, que é um mês abafado, mas eu tinha acabado de desembarcar de Barcelona, para mim o Rio era o inferno em vida. Minhas férias estavam terminando e junto com ela o ano de 2011, e para ser muito honesta, não vejo grandes coisas em festa de Réveillon. Gosto de festas. Mas tenho um pé atrás com essa obrigação da pessoa ter que estar feliz mesmo sem estar de verdade.
Ok, talvez seja o mau humor que o calor me dá. Vou ler um jornal para me atualizar e ocupar a minha cabeça. 
Passando o olho nas notícias, ainda meio blasé, eis que na parte do obituário - sim eu leio obituário, todos os dias! - Estava o meu fio perdido de esperança que ia embora junto com ano. Eu disse que estava irritada.
Do lado da notícia de um assalto tinha o seguinte anúncio fúnebre : 

Carlos Alberto Moreira Maia. 

Capitão- de - Mar- e - Guerra. 

Nascido 19.11.1933  morto 21.12.2011.
Beto querido, ultimamente você andava sentimental, e quando em vez 
dava de murmurar os versos do Antônio Carlos: 

Dia virá que eu não mais virei...
Dia virá em que eu não mais serei...
Eu fingia que não ouvia, e me assustava.
E aí o dia veio, o dia D, e com ele uma doida saudade. Agora o chão me falta. 
Só resta então olhar seu imenso mar, seu infinito céu, e procurar 
por você estre as estrelas. Por favor, mande um sinal! 
Faremos sua missa dia 28, às 6 da noite, na igrejinha do Leme. 
É enorme a tristeza da Lílian, da Pat e da Aninha, dos meninos, 
dos seus irmãos e dos seus amigos e ,indescritível, a dor 
da sua Maria.

Tive que ler duas vezes, eu não acreditei naquilo que estava vendo.
- Mãe, escuta isso - Li com calma e cuidado, é como se devesse velar algo. Na última frase lida, em voz alta, como se fosse um poema de Drummond, uma lagrima caiu. Que coisa linda, que amor! A partir daí me peguei pensando nessa família, que cresceu envolta nesse amor. Que mulher era aquela, que mesmo na dor de perder um companheiro de uma vida conseguiu fazer poesia? que homem era esse que merecia esse amor?
Pensei em ir na missa, mas minha sabia mãe conteve meus instintos impulsivos. No entanto, admito que mentalmente fiz uma carta, quase uma oração à dona Maria.

Cara dona Maria,
A senhora não me conhece, mas renovou as minhas esperanças no mundo. A sociedade anda muito burocrática, egoísta e as pessoas passaram a tratar o amor e a família como coisas descartáveis. Mas a sua carta para seu marido me fez acreditar que tudo pode ser diferente.
Por favor, a senhora que é tão sensível e amável, não pense mal de mim, não sou pessimista, mas acabei ficando racional demais. Foi muito revigorante ler as suas palavras de carinho a esse homem, mesmo em um momento de muita dor. Eu sinto muito pela sua perda. Mas seu imenso amor vai fazer a senhora superar. Eu espero que tenha uma ano novo, novo de verdade, uma ano novo como o de Drummond: " cor de arco-íris, ou da cor da sua paz; Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido; (mal vivido ou talvez sem sentido); para você ganhar um ano; não apenas pintado de novo, remendado às carreiras; mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas; (a começar pelo seu interior); novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota; mas com ele se come, se passeia; se ama, se compreende; se trabalha... "
Obrigada
Carolina.

Continuo sem levar fé em que, de dia pro outro, só porque o calendário definiu, você poder ser mais feliz, mas acredito que aqualquer momento você pode encontrar alguem, entre as estrelas, que te faça pensar e sentir diferente. Espero esse ano, que pode começar a partir do momento em você decide mudar, todos encontrem o seu capitão de mar e guerra. Dona Maria, um beijo.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A simplicidade do amor

Era domingo e dia dos namorados, ele não tinha feito nada, preparado nada, comprado nada. A namorada e agora mulher dele, não gosta de dias “obrigatórios”, não tem paciência. Nunca tinha tido, desde a época de namoro. Isso sempre gerava briga. Ele não entendia o porquê e ela toda vez  que tentava explicar: “eu trabalho muito, você também, chato ter obrigações, mesmo que festivas é chato, não gosto.” Começava a briga.

- Mas eu gosto, ou acho que gosto você nunca me deixou saber com esse discurso feminista, anti- capitalista ou o quer que seja. 

- Não é isso, eu acho chato. Mas se é tão importante pra você. Ok, eu compro um presente que você não precisa, finjo que estava afim de comprar e te dou. Faço um jantar, vai ficar feliz? Responde ela sem paciência.

- Desse jeito não precisa.

Todo dia dos namorados era a mesma briga, esse ano eu vou aceitar, não vou comprar nada e fazer nada, vamos ver se ela não liga. Ele prometeu para si mesmo.  O domingo, era o primeiro dia de namorados deles casados. Ela acordou como todos os dias, foi a padaria, comprou jornais e revistas, abriu todo o apartamento e ligou um jazz. Tava frio, mas sol. Ele se levantou depois, tomaram café juntos comentando as notícias da noite anterior, do jornal, a história da filha da vizinha da mãe dele que tinha passado no vestibular. Tudo normal. 

- Vamos almoçar na sua mãe mesmo hoje? Pergunta ela distraída.

- Não, eles têm compromisso - Disfarçou ele.  

Depois de arrumarem a cozinha conversando, eles resolvem ir a uma livraria perto . Ela compra livros, mesmo tendo muitos e ele olha dvds de filme de ação, ainda que ele saiba que vai dormir na metade. Na volta, fazem almoço conversam animadamente. Ele se surpreende como ela realmente não se lembrou da data.

- Você vai ao jogo do Botafogo com os seus irmãos? Vai ver o jogo do Fluminense comigo?

- Não vou, vamos ver os dois juntos em casa?

E como quase todo domingo, eles assistem juntos aos dois jogos e comentam animadamente os defeitos e acertos dos times, entre uma cerveja e outra. Ela entende de futebol e ele aprendeu a gostar de ballet e filmes bobos, ela faz uma cara linda quando os vê. Ela não reclama da pelada de quinta, nem pede pra trocar de canal do esporte para o de filmes afinal futebol é o máximo, ela só podia ser alvinegra nê? Mas... Os pensamentos dele voam e quando se dá conta, o dia acabou. Eles já estão indo dormir, o dia foi maravilhoso, como todos os domingos e ao ver que a mulher não tocou no assunto ele não resiste e pergunta:

- Você sabe que dia é hoje?

- Domingo, dia dos namorados e daí?

- A gente não fez nada... Você reparou?!

- Não, não reparei, achei que a gente tinha passado um dia ótimo juntos – responde ela, levemente irritada.

- Mas a gente fez o que fazemos todos os domingos.

- Nossa !!! – exclama ela, segurando o riso - depois de tantos anos, finalmente você entendeu o meu ponto de vista. Se tivéssemos saído para comer ou nos desgastado para comprar presentes em shoppings cheios, não teríamos feito nada disso.  Eu não preciso de uma data no calendário para dizer que te amo. Digo todos os dias. Você só não repara porque não quer.

Ele sorri, a beija e eles vão dormir. Juntos, como todos os dias.  Tempos depois, se lembrando da fala dela,  ele chega em casa e fala:

- Se veste vamos sair!

- Mas eu fiz o jantar... Porque vamos sair?

- A gente almoça  o jantar de hoje amanhã. Hoje vamos comemorar.

- Ta, mas o que? Pergunta ela sem entender nada.

- A nossa vida, o nosso amor...

Ela sorri, seus olhos enchem de água e diz: - Era isso que eu sempre quis... O amor pelo amor... Nunca pela data - Ele finalmente a compreende.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Liberdade, liberdade abra as asas sobre nos.

É bom voltar a escrever aqui. Problemas tecnológicos a parte, voltei. Tenho vários assuntos acumulados, mas um me chamou atenção um pouco antes do carnaval. Primeiro que antes da folia, começou uma onda de solteirice entre as minhas amigas. O espírito colombina imperou. Logo, o assunto era sempre o mesmo, relacionamento. Boa forma de começar um carnaval né?. Conversando com umas delas, me veio a seguinte frase: " O problema é que eu sou legal demais." Fiquei pensando nisso.

A solteira em questão é uma mulher muito moderna, independente, inteligente, bonita e muito bem resolvida. Tá ai o problema. Homens tem medo de mulheres bem resolvidas, não todos, mas a grande maioria. Conheço várias mulheres que qualquer um namoraria, solteiras. Por que? Porque são mulheres livres, que não se prendem a pequenas coisas, a problemas inexistentes, apenas para ter problemas. Elas não alfinetam só para fazer ciúmes, não tentam baixar a estima do outro só para se sentirem por cima, não fazem o papel de mãe de seus companheiros e os apóiam o tempo todo. Mas elas são legais demais para ter alguém.

Isso pode parecer absurdo e é, mas pensa quantas pessoas assim você conhece e que já ouviram a frase, eu não tô no momento de ser o namorado que você merece. Sendo que elas em momento nenhum exigiram que eles fossem nada mais do eles eram ?! A grande questão, na minha humilde opinião observadora, é que a visão masculina de companheira ainda é muito machista, de mulher provedora, mãe e neurótica. Só ama a mulher ciumenta, a que regula os passos, a que joga o tempo todo. A tranquila, a que tem muitos outros objetivos na vida além de casar, essa merece um super- homem.

A mulher que é "perfeita" para esse homens não tem o direito de escolher que é bom para ela. Os homens têm que parar com a mania de achar que não são bons o suficiente. Entrem na onda, se modernizem também, apenas sejam e parem de se cobrar, desencanem, sejam LIVRES. Ninguém é perfeito, nem tem que ser. O problema é que em vez aceitarmos nossos defeitos e convivermos com eles, nós queremos escondê-los e até mudá-los. Desiste! Aceite-os que é bem mais libertador. Mas fundamentalmente deixe que a pessoa que está com você escolha o que é melhor para ela. Cada um sabe o que é melhor para si. Você pode ter defeitos mas pra mim tá bom , me satisfaz, eu até gosto. Quando as pessoas aceitarem isso talvez elas sejam mais felizes. 

Para essa minha amiga eu não tive o que dizer. Realmente você é legal demais, isso não devia ser defeito, mas nesse contexto era. Como eu me recuso a acreditar que relacionamentos são jogos de xadrez, que a todo momento temos que pensar a cada passo, em vez de dançar conforme a música, achei melhor não falar nada. O jeito é esperar, ou o super - homem ou um homem livre e moderno. Enquanto isso... vou beijar- te agora não me leve mal hoje é carnaval!




terça-feira, 3 de agosto de 2010

Vícios e Virtudes


Primeiramente, peço licença ao Charlie Brown Jr. Para tomar emprestado o nome de sua música para título deste texto, não consegui imaginar nenhum outro que “encaixasse” melhor.

Todo ser humano erra e acerta, faz parte da nossa natureza, da nossa essência, do que somos. Vou mais além e digo que, na verdade, são os erros que pavimentam o caminho do sucesso e não os acertos, estes são mais o produto do entendimento de determinada realidade, entendimento este alcançado através do aprendizado com os erros, que podem ser os nossos próprios erros ou os erros alheios (sorte de quem consegue aprender com os erros dos outros facilmente, temos uma tendência a gostar de provar na própria pele as coisas, mas faz parte para a construção da nossa própria experiência de vida, para marcar algo na memória nada melhor do que experimentá-lo você mesmo não é?).

Logo, ter defeitos e virtudes pode ser encarado como natural certo? Certo, mas porque nos preocupamos tanto em eliminar nossos defeitos, em sermos melhores ao invés de procurarmos entender determinadas características e usá-las nos momentos mais apropriados e com as pessoas apropriadas? Na verdade, defeitos e qualidades foram determinados pela humanidade, mas, no fundo, é uma questão de contexto e de ponto de vista. Da mesma forma que o erro e o acerto de uma forma geral. Explico-me. Ir dar uma corridinha na praia seria um erro? Normalmente não, é até recomendado, mas se estiver chovendo e você estiver resfriado é um grande erro. Claro que existem erros e acertos “absolutos”, por exemplo, se alguém for perguntado quanto é 2 + 2, qualquer resposta diferente de 4 sempre será um erro. Mas não estamos nesse campo, estamos falando do comportamento humano e acho que você que está lendo já entendeu meu recado inicial, portanto, vamos expandir nosso pensamento aos defeitos e virtudes.

A teimosia, você classificaria como o que? Um defeito? Uma virtude? Eu diria que, como você já deve antecipar, depende do contexto. Determinado, convicto e até disciplinado (por que não?) são outras formas (elegantes) de chamar alguém de teimoso, o que é a teimosia senão a determinação disfarçada? Aquela convicção tenaz de que seu ponto de vista está certo? É a mesma característica de uma pessoa que ora é encarada como defeito, ora como qualidade.

Eu poderia encher este post com mais exemplos, mas ainda preciso chegar aos vícios e explicar sua relação com as virtudes. Bem, e os vícios? Em minha opinião, um vício nada mais é que a repetição exagerada de algo que a sociedade classifica como prejudicial, meio que como a repetição exagerada de um defeito (sim, porque ninguém fala que alguém é viciado em fazer caridade). Alguns desses defeitos são socialmente aceitos (beber, fumar), outros não (usar drogas ilícitas), mas, no geral, não são tidos como qualidades.
Se forem defeitos, e eu disse antes que ser defeito ou não depende do contexto, eu tenho que mostrar em que contexto estes defeitos podem ser qualidades, podem não ser prejudiciais e sim benéficos. Beber por exemplo, se na medida certa, no seu limite, pode ser o “empurrãozinho” necessário para se entrosar em determinado grupo ou meio, para fazer novas amizades, todo mundo conhece aquela célebre frase “eu nunca fiz amigos bebendo leite”. Não entro no mérito de a frase ser genial ou imbecil (conheço pessoas de ambas as opiniões), mas o álcool de fato é um agente socializante estupendo, ainda mais para os tímidos. E por conta de um “defeito”, um “vício”, pode-se acabar fazendo amizades numa mesa de bar para a vida toda, que por fim pode acarretar-lhe oportunidades que tem a possibilidade de mudar sua vida para sempre.

Agora o ato de fumar. Essa parece ser mais difícil de defender, eu mesmo acharia isso caso não tivesse ocorrido comigo, um mês atrás mais ou menos, algo que me levou a essas considerações, e por fim, a esse post.

Eu não fumo, nunca gostei e não gosto, mas há um mês eu sai com uns amigos para uma boate meio alternativa que eu nunca havia ido. Gostei muito do lugar e queria mesmo entrar no clima daquela noite, conhecer melhor as pessoas que vão lá, enfim, me entrosar. Então, teve um momento em que meu amigo saiu para fumar e eu fui com ele para não deixá-lo sozinho lá fora. Chegando lá fora tinha bastante gente fumando e conversando e estava bem animado até, daí do nada, pedi um cigarro para ele e experimentei (continuei não gostando, mas fui até o final e não deixei transparecer). Depois, quando já estava em casa, fiquei pensando na idiotice que havia feito, já que eu sempre fui tão convicto na minha posição quanto ao fumo. Ao invés de me martirizar, decidi tentar entender porque havia feito aquilo, já que, no geral, aquela circunstância não era nova, ou seja, sempre tive um ou outro amigo que fuma, já ocorreu de ir a boates ou outras festas com eles e nunca quis experimentar. Por fim, entendi que foi o contexto daquela boate especificamente, a galera e o ambiente do lado de fora estavam muito animados, muito convidativos e agradáveis, e eu quis de alguma forma me inserir naquela atmosfera, e fumar, naquele momento, foi o que eu acreditei (inconscientemente) ser o mais adequado para conseguir isto.

O meu objetivo principal neste post é mostrar que antes de julgarmos se uma pessoa está agindo certo ou errado, se ela tem tal defeito ou qualidade, devemos analisar o quadro todo, o contexto da situação. Muitas vezes fazemos coisas que podem nos surpreender, mas é apenas nosso inconsciente tentando, da melhor forma, atingir o bem-estar interior que desejamos. Resta-nos aprender com as experiências vividas e deixar “registrado” nossos limites, mas não se cobrem em excesso, errar faz parte da arte de viver, algumas transgressões, às vezes, são um combustível para a alma e nos levam a ter mais "bagagem" para fazer escolhas importantes mais à frente. Como diria a eterna sábia e genial Clarice Lispector:
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso, nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”

terça-feira, 13 de julho de 2010

Torrente disparada por um olhar

São os olhos. Contam que são uma janela. Que se são feios, também é a alma. Se luminosos, também o espírito irradia luz. Uma pena, séculos de literatura já afastaram essa crença e o transformaram num clichê literário – um assassino pode muito bem ter olhos tenros como os de uma criança.

Mesmo assim eu digo, são os olhos.

É o modo mais ou menos assim, devido a minha estatura um pouco mais alta, que é sempre de cima que eu a vejo, e que ela tem que olhar um pouco para cima para me olhar também neles. A cabeça milimétricamente inclinada para o lado, os grandes olhos castanho-musgo (um tronco de árvore coberto de folhas verdes iluminado pela luz do sol que adentra por entre as copas) me fitando de baixo com uma atenção quase divina, com um quê de criatura indefesa, com uma meiguice mesclada de mulher experiente sou pequena e fofa, e sei do que isso é capaz. Percebo agora que quando penso em seu corpo, logo penso em seus olhos, como se o corpo viesse de presente como prova de amor que aqueles olhos tem por mim. Como se os olhos banhassem o corpo de luz, e quando se fecham, é como amar na escuridão absoluta. E são os olhos, pois, veja, é até engraçado se você tiver senso de humor: quando tento me lembrar das confusões de gritaria e do silêncio aterrador que vem em seguida, não consigo encontrar em minha memória aqueles olhos expressivos. No mundo estranho das lembranças, não é ela quem grita: é uma mulher sem olhos.

Você sabe do que estou falando. Você provavelmente já sentiu isso alguma vez. Desde o princípio, quando ainda estamos nos esgueirando devagar, com cautela, sem movimentos bruscos nem atos impensados, nos territórios da conquista – pois, sabemos, nosso tipo de gente já sofreu muito, ou por lentidão demasiada, ou declarações apressadas – desde esse princípio, o que me norteia a memória são os olhos. Como nos esbaldamos naquela íris, essa relva extensa e idílica, onde tudo que captamos é a mistura do marrom com o verde, e vislumbramos cenas de filmes nos quais há aquela árvore perdida no meio de tantas, só distinta pelo rudimentar desenho de um coração atravessado por uma flecha, eternizando numa promessa de amor inocente dois nomes talhados na madeira, assim meio tortos, talvez à duas mãos, por um canivente substituindo o lápis, Para sempre, um quadro emoldurado por verdes folhagens sacudindo e sibiliando ao vento. É isso a íris. São os olhos. E só não é um idílio completo pois há um rosto e uma criatura que olha pra você, meio de lado, de baixo, em eterno questionamento, aparente e dissimuladamente confusa, entretanto mais certa do que você pensa. Então não mais é uma floresta, não mais árvores, o sangue já começou a correr dentro de você por causa do coração perfurado por uma flecha e tudo que há é aquele corpo com olhos tão grandes e profundos, aquele corpo que você sabe, você sabe.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre o desapego aos fatos; ou: como não conseguir se livrar do moralismo


Foi numa tarde qualquer. Eu caminhava desinteressado pelas ruas de Niterói, para resolver algum problema corriqueiro, acho, já nem lembro mais. Passava em frente ao antigo Cinema de Icaraí quando vi um velho mendigo nas escadarias, lugar frequentado por eles para escapar do concreto frio e das chuvas indiscriminatórias.
Ele estava deitado sob a marquise - vamos chamar-lhe Mendes, um nome comum para um mendigo qualquer, visto que, à época, não coube-me perguntar-lhe o nome. Ora, meus problemas pareciam tão mais importantes.

Pois bem, o velho Mendes estava deitado no duro concreto marrom, encolhido contra si mesmo; suas pernas vestidas de uma calça cinza surrada e rasgada, envolvida por seus braços nus; a cabeça apoiada em um velho pano de chão, provavelmente cedido por alguma boa moça tocada pela difícil vida do velho Mendes, já usado durante anos para limpar a sujeira da casa, agora servindo de apoio para a sujeira humana. Seus tristes olhos azuis fitavam, sem nunca desviar o olhar, uma velha senhora, aparentando lá seus oitenta anos, brincando com uma garotinha, de uns oito ou nove anos. A menina se jogava no chão, rolava na sujeira, divertia-se com aquilo como provavelmente suas amigas se divertem com bonecas Barbies sem cabeças ou cabelos. A avó a puxava pelo braço, ela ficava em pé, a avó dava-lhe uma pequena bronca, a garota pedia desculpas e tornava a deitar e rolar no chão. A brincadeira parecia não ter fim. E, apesar das broncas, a velha senhora parecia também divertir-se, posto que, entre uma bronca ou outra, sempre deixava escapar uma gargalhada.

Tudo isso eu percebi por alguns segundos, olhando de soslaio, e não dei a menor atenção. Toda esta narrativa é pintada pelas cores enganosas do retrospecto.

Já me distanciava do lugar quando ouvi:

“Ei, cabeludo!”

Era comigo. Com pressa e irritado, olhei em volta.

“É, você cabeludo, vem aqui. Rapidinho.”

Mendes tinha a voz rouca e falhada. Percebi que fazia um enorme esforço para gritar desse jeito.

“O que foi? Olha, estou com um pouco de pressa.”
Mendes, me ignorando e sem levantar a cabeça de seu travesseiro improvisado, falou num tom muito baixo:

“Olha como aquela menina é bonita.”

E com um movimento de cabeça me apontou na direção da senhora brincando com a criança.

“Não vê o brilho? Chega a cegar, o brilho dela. Mais fácil seria olhar pro Sol. Se for pra sua imagem ficar gravada atrás dos meus olhos, espero ser ela a última coisa que verei na vida.” Ele disse isso com os olhos tristes e por eles achei que ia romper um pranto compulsivo.

Se, em algum momento daquele dia, espantei-me com o jeito de poeta do velho Mendes, agora já não recordo. Na hora, só lembro de ter sentido medo. Segui na direção por ele apontada e somente pude reparar no que meus ouvidos ouviram. Esses velhos jornalistas, tão apegados a mania dos fatos, enxergam nada senão a casca, a superfície. Não pude ir além da palavra falada. Menina. Julguei o mendigo um pedófilo potencialmente violento e hoje confesso envergonhado minha banalidade e mesquinhez de espírito.

Eu não disse nada. Não comentei, fiquei em silêncio observando o velho Mendes, sentindo um misto de pena e nojo. Uma menininha, pelo amor de Deus! No entanto, prepotentemente consolei meu espírito quando considerei que ele era só um mendigo, um velho jogado à poeira das ruas, a mercê do vento e outras forças alheia aos esforços humanos, sendo constantemente empurrado de um lado pro outro. Logo, Mendes não teria nenhuma força moral para guiá-lo na direção dos valores mais nobres, visto que estava à margem dela. Assim, de certo modo, eu, com meus poderes de Juiz por mim concedidos, absolvi o velho Mendes de seu crime horrendo.

Todo esse episódio fez-me lembrar de George Orwell, vagando nas ruas de Paris e Londres, como ele próprio diz, “na pior”. Caçando bitucas de cigarro e penhorando roupas velhas, lençois, qualquer coisa por um mísero pedaço de pão. Vagar morinbundo pelas ruas, sem espectativas pro futuro, constitui um sintoma que, em certa medida, torna-se seu próprio analgésico. Avançando um pouco mais em sua reflexão, posso dizer também que, com o estômago vazio torturando cada milésimo de segundo da sua vida (“da dor física só se pode desejar uma coisa: que pare”), barreiras morais, sociais, sentimentos, tudo isso torna-se tanto um luxo quanto o seria um doce, um carro ou uma casa.

Voltando ao velho Mendes, concordei que a garotinha era realmente bonita e retomei meu caminho. E foi somente naquele momento que percebi. A menina pôs-se a correr, distanciando-se da avó para abraçar seu pai, que a esperava de braços abertos do outro lado da rua. E eu, acreditando que o velho Mendes ia acompanhá-la com olhos hipnóticos, tornei a observá-lo. E foi ali. Tudo me veio num súbito, uma onda, uma avalanche, todas as minhas impressões, julgamentos, preconceitos, opinões, tudo atingiu-me em cheio, e juro que me vi estirado no chão da moralidade, fitando o horizonte da mente que se expande não naturalmente, com tempo, estudo e leitura, mas sim com força e brutalidade de uma arrancada brusca. O velho Mendes não mudara a direção do seu olhar. Continuava observando o mesmo lugar, e por um momento pensei que fosse por falta de forças para mover o corpo. Mas, seguindo a direção de seu olhar, vi que o ele observava, o que ele havia observado desde o começo, e não era a menininha.

Mas não cabe aqui descrever o que de fato ele estivera fitando todo este tempo. Acredito que o motivo de seu discurso poético está perdido em algum lugar desta pobre narrativa, e cabe ao leitor encontrá-la; seria um erro, como rudemente apontar com o dedo um ponto específico de um quadro, como se este ponto justificasse toda a obra, e eliminasse a fruição do quadro como um todo. Ou como explicar racionalmente uma piada.

***

O que o fez utilizar a palavra menina, aí já não cabe a mim descobrir. Minha mente ainda dói do brusco crescimento e expansão, as coisas ainda estão um pouco difusas, menina, senhora, idade, brilho, amor, mendigo, sentimento, vazio, tudo se confunde um pouco e distinguir esses sentimentos uns dos outros mostra-se muito difícil para esses velhos jornalistas, sempre tão apegados a mania dos fatos.

sábado, 19 de junho de 2010

Se ao menos soubermos o que fazemos

Já reparou que as perguntas mais simples são as mais difíceis de responder? Quem é você? Boa pergunta. Não sei e se alguém souber, por favor, me conta? Já ouvi muitas teorias sobre quem a gente realmente é. Uma mais mirabolante que a outra, dentre essas, uma me pareceu interessante. Você é o que você acredita ser e o que os outros pensam que você é. Legal, como descubro isso? saio por ai perguntando, o que você acha de mim? Se eu faço isso será fácil descobrir, porque todos vão responder enfaticamente, maluca. Porque só maluco faz uma pergunta dessas.

Tento buscar na minha memória coisa que possam me identificar comigo, mas vou logo avisando, não recomendo que façam o mesmo. Você pode não gostar ou mais não ver nada. Minha lembrança mais antiga é a da queda do muro de Berlim. Estranho não?  Pois é, me lembro perfeitamente de estar sentada no sofá da minha antiga casa vendo ao vivo na TV a queda do Muro. Meu pai estava bem do lado, e até hoje sua expressão não me sai da memória. Eu tinha três anos.

Era uma criança quando tomei pela primeira vez aulas de história e idealismo do meu pai. Não sei o que disse, ai já é demais, mas me lembro desse dia. Desde que eu me entendo por gente, e não faz tanto tempo assim sou uma pessoa fissurada por livros, na escola sempre gostei de literatura e história. Cresci assim. Na minha casa intelectualidade era muito valorizada e política se discutia no café da manhã.

Tudo contribuía para que ser uma grande leitora. Meus pais jornalistas, “ideologistas” e levemente liberais contribuíram para um livre desenvolvimento intelectual. Era assim, se você quer saber algo, procure, leia e descubra. E ler é ter várias vidas ao mesmo tempo, ver várias coisas e conhecer diferentes pessoas. Daí depois de ler muitas opiniões e histórias dos outros, comecei a querer escrever a minha própria história e compartilhar meus pensamentos. O que eu foi rapidamente estimulado por todos. Meus pais e seus amigos eram os primeiros a querer saber o que pensava. Logo me senti importante.

As férias no jornal me ensinaram à importância da opinião e da palavra na vida das pessoas. Amei, mas não me convenci. Gostava de lá, mas não queria ser os meus pais, não podia. Eu era uma adolescente, que amava ler, tinha viés político, apaixonada por Chico e Caetano, curiosa por línguas, mas que ia fazer arquitetura. Fiz e não deu certo. A inquietação era tanto que resolvi trancar, mas como falar isso pro meu pai, que a essa altura se tornara advogado. Eu sabia o que queria, mas assumir era diferente. Minha mãe compreenderia, afinal é jornalista até hoje, mas meu pai tinha largado a profissão ?!

Como não dava mais, contei. “Pai vou trancar a faculdade” Para minha surpresa o Doutor Antero olhou fixamente pra mim e disse: “Vai mudar para jornalismo?”. Ele sabia, ele me conhecia mais que eu. Não bastando à surpresa, meu velho pai disse pra mim, “Acho fascinante”. Desde então nunca mais se falou em arquitetura. Eu estou cursando jornalismo para exercer de uma profissão que aprendi a amar entre cafés da manhã e férias na redação.

Talvez quando meu pai me contou seu sonho comunista, suas experiências na ditadura, não me obrigou a dormir cedo e a não tirou da sala nas conversas de “adulto”, ele não tenha imaginado que isso daria no que deu. Faculdade de jornalismo. Porém, é comprovado que todos os meus amigos filhos de “coleginhas”, hoje são “coleginhas”.Coincidência? Talvez. Genética? Pode ser.

Meu pai, certamente, nunca pensou que ao me contar, tão pequena, a importância daquilo que estava vendo na TV despertaria em mim uma grande paixão em contar histórias parecidas com aquela . Meu pai pode não saber responder quem eu sou se for questionado como eu fui agora, mas certamente algo nele e em outras tantas pessoas que tiveram a mesma reação, souberam ver que dentre as muitas “Carois” uma delas era jornalista. Talvez nunca descubra quem eu sou, nem você, mas se ao menos soubermos e acreditarmos no que fazemos, teremos um grande feito de que nos orgulhar.