terça-feira, 13 de julho de 2010

Torrente disparada por um olhar

São os olhos. Contam que são uma janela. Que se são feios, também é a alma. Se luminosos, também o espírito irradia luz. Uma pena, séculos de literatura já afastaram essa crença e o transformaram num clichê literário – um assassino pode muito bem ter olhos tenros como os de uma criança.

Mesmo assim eu digo, são os olhos.

É o modo mais ou menos assim, devido a minha estatura um pouco mais alta, que é sempre de cima que eu a vejo, e que ela tem que olhar um pouco para cima para me olhar também neles. A cabeça milimétricamente inclinada para o lado, os grandes olhos castanho-musgo (um tronco de árvore coberto de folhas verdes iluminado pela luz do sol que adentra por entre as copas) me fitando de baixo com uma atenção quase divina, com um quê de criatura indefesa, com uma meiguice mesclada de mulher experiente sou pequena e fofa, e sei do que isso é capaz. Percebo agora que quando penso em seu corpo, logo penso em seus olhos, como se o corpo viesse de presente como prova de amor que aqueles olhos tem por mim. Como se os olhos banhassem o corpo de luz, e quando se fecham, é como amar na escuridão absoluta. E são os olhos, pois, veja, é até engraçado se você tiver senso de humor: quando tento me lembrar das confusões de gritaria e do silêncio aterrador que vem em seguida, não consigo encontrar em minha memória aqueles olhos expressivos. No mundo estranho das lembranças, não é ela quem grita: é uma mulher sem olhos.

Você sabe do que estou falando. Você provavelmente já sentiu isso alguma vez. Desde o princípio, quando ainda estamos nos esgueirando devagar, com cautela, sem movimentos bruscos nem atos impensados, nos territórios da conquista – pois, sabemos, nosso tipo de gente já sofreu muito, ou por lentidão demasiada, ou declarações apressadas – desde esse princípio, o que me norteia a memória são os olhos. Como nos esbaldamos naquela íris, essa relva extensa e idílica, onde tudo que captamos é a mistura do marrom com o verde, e vislumbramos cenas de filmes nos quais há aquela árvore perdida no meio de tantas, só distinta pelo rudimentar desenho de um coração atravessado por uma flecha, eternizando numa promessa de amor inocente dois nomes talhados na madeira, assim meio tortos, talvez à duas mãos, por um canivente substituindo o lápis, Para sempre, um quadro emoldurado por verdes folhagens sacudindo e sibiliando ao vento. É isso a íris. São os olhos. E só não é um idílio completo pois há um rosto e uma criatura que olha pra você, meio de lado, de baixo, em eterno questionamento, aparente e dissimuladamente confusa, entretanto mais certa do que você pensa. Então não mais é uma floresta, não mais árvores, o sangue já começou a correr dentro de você por causa do coração perfurado por uma flecha e tudo que há é aquele corpo com olhos tão grandes e profundos, aquele corpo que você sabe, você sabe.